Passado um ano de pandemia, podemos dizer que Bolsonaro e seu governo negacionista fracassaram em aspectos fundamentais no combate à Covid-19. Não houve controle de transmissão da doença, tão pouco dedicação do executivo federal na compra de vacinas. A responsabilidade pelo comando da pandemia ficou nas costas de governadores e prefeitos, que tentam equilibrar restrições sanitárias com o impacto econômico e social. O resultado é um país frustrado que vê sua população há um ano perder amigos e familiares ao mesmo tempo que empobrece e volta a passar fome.
Diante desta falta de coordenação, hoje está claro que a solução proposta até aqui não está funcionando e não irá funcionar. Apostar unicamente nos fechamentos da sociedade e abertura gradual e fechamento novamente não trouxe os resultados esperados de controle da pandemia além de um efeito colateral gravíssimo na economia. Precisamos de outras estratégias complementares se quisermos de fato controlar o vírus e permitir a retomada das atividades.
Depois de muito estudo tenho clareza que esta nova etapa deve ser baseada em cinco pilares: 1) testagem em massa e monitoramento dos casos positivos; 2) distribuição de máscara de qualidade; 3) campanha de conscientização de comportamento; 4) eventuais fechamentos mais precisos, regionalizados e curtos; 5) distribuição da vacina com prioridade para territórios vulneráveis.
Neste momento é urgente e importante discutirmos o último ponto. Vacinação e sua distribuição. Bolsonaro rejeitou ofertas de contratos feitas por empresas farmacêuticas em agosto do ano passado, época em que já insistia na prática do tratamento precoce, comprovadamente ineficaz. Por consequência, agora vivemos um cenário desolador nos aproximando de 400 mil mortes e com um ritmo de vacinação muito lento, aquém da nossa necessidade e capacidade. Diante dessa circunstância, uma medida necessária é fazer o uso mais estratégico possível das poucas vacinas disponíveis.
Passada a imunização de trabalhadores da saúde, quilombolas, indígenas, profissionais de educação e segurança e faixas etárias acima de 60 anos, o Plano Nacional de Imunização (PNI) prevê uma lista de pessoas com comorbidades e outros grupos definidos como prioritários. No total são 77,2 milhões de cidadãos que, de acordo com a nova projeção do Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, só terminarão de ser vacinados em setembro, com um atraso de três meses se comparado à previsão original.
É consenso e cientificamente comprovado por diversos estudos que pessoas com comorbidades apresentam maior risco de hospitalização e óbito, assim como existem profissões que possuem risco maior de contrair o vírus. Entretanto, há um outro fator que tem levado milhares de pessoas a lotar os hospitais e muitas a morrerem de Covid: a pobreza.
Em São Paulo é visível que a pandemia impactou mais os indivíduos vulneráveis, de baixa renda, com menor escolaridade, moradores das periferias – majoritariamente negros e negras. Muitos perderam suas vidas, saúde, amigos e parentes, renda e viram um auxílio emergencial de $600 acabar rapidamente em um dos estados mais caros do país.
Ficar em casa nunca foi uma opção para quem vive no limite da miséria. Essas pessoas foram obrigadas a sair, ignorar as recomendações de isolamento e ir atrás de trabalho para sustentar suas famílias. Um estudo da FGV Social, que utiliza dados da PNAD Contínua, mostrou que 28% dos membros da classe A/B puderam alterar o local de trabalho durante a pandemia, enquanto na classe D/E apenas cerca de 7,5% tiveram essa opção.
A relação entre pobreza, impossibilidade do isolamento, maior contaminação e morte destas pessoas pela COVID-19 é imediata. Um estudo publicado pelo Instituto Pólis em fevereiro deste ano, mostrou que as pessoas de regiões mais pobres morrem mais por COVID-19. A chance de uma pessoa pobre, negra, moradora de periferia morrer por causa do Coronavírus é comprovadamente maior que pessoas que moram em bairros mais centrais e ricos da cidade.
Proponho a distribuição estratégica das vacinas! Defendo que priorizemos determinadas áreas onde há sobremortalidade pela COVID-19, para assim mitigar os efeitos que a pandemia exerce sobre essas populações e territórios mais vulneráveis. Isso significa alocar uma porcentagem maior de imunizantes nos territórios em que o número de mortes é maior do que em outros bairros e cidades, considerando a população que vive nessas regiões.
Ao priorizar esses locais criamos as chamadas “bolhas de imunidade”, que servem como barreiras ao vírus, ajudando a diminuir a transmissão e contaminação nas cidades como um todo. Reforço que isso não significa distribuir vacinas apenas para esses locais, ou deixar de seguir o Plano de Imunização.
A ideia não é nova e já deu certo em diversos estados nos Estados Unidos, como por exemplo a Califórnia. Muito criticada pela disparidade de vacinação entre comunidades ricas e de baixa renda, o estado, que é o mais abastado e populoso daquele país, decidiu alocar 40% das vacinas para as áreas mais vulneráveis. Em pouco mais de um mês, imunizou 4 milhões de pessoas e viu a diferença entre a vacinação das comunidades ricas e pobres diminuir de 18 pontos percentuais para 3 pontos percentuais.
A pandemia jogou luz e acentuou as desigualdades no Brasil e no mundo. A escassez das vacinas nos força a adotar estratégias que podem ajudar a reverter esse quadro, mas para isso precisamos focar na imunização em áreas onde a contaminação e por consequência a taxa de mortalidade são mais altas. Não utilizar o programa de vacinação com inteligência e eficiência significa aprofundar ainda mais a desigualdade já acentuada pela pandemia. Enviei uma indicação para o Governador João Dória para que a lista do público prioritário seja adaptada no Estado. Já que o governo Federal falha na proteção dos que mais precisam, cabe aos governadores, prefeitos, parlamentares locais e sociedade civil organizada a busca por soluções para um melhor enfrentamento desta crise.
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